EC 72/13 - Empregados domésticos e seus novos direitos
[Artigo de: Haline Ottoni Costa Monge]
A EC 72/13 alterou a redação do parágrafo único do art. 7º da CF/88 e, consoante seus próprios motivos, teve por escopo estabelecer certa igualdade de direitos entre os empregados domésticos e demais trabalhadores urbanos e rurais. A citada emenda rompeu com anos de discriminação sócio-jurídica e veio ao encontro das normas constitucionais que prestigiam a dignidade e o valor social do labor, a isonomia material e a melhoria das condições sociais dos trabalhadores (art. 1º, III, IV, 5º, 7º, CF/88). Atendeu igualmente à concretização dos direitos elencados na Convenção 189 da OIT, em vias de ratificação pelo Brasil.
A profissão de empregado doméstico foi regulamentada pela Lei 5859/72, considerado como aquele que presta serviços de natureza contínua a pessoa ou família, sem fins lucrativos, no âmbito residencial destas (art. 1o). Essa legislação, juntamente com o parágrafo único do art. 7º da CF/88 trazia o rol de direitos dos domésticos, o qual foi ampliado com a publicação da Emenda. Dentre outros direitos, foram a eles estendidos a limitação de jornada de 8h diárias e 44h semanais e o adicional de horas extras de no mínimo 50%, com aplicabilidade imediata. Dependentes de regulamentação legal, por sua vez, o FGTS de forma obrigatória, seguro-desemprego, adicional noturno, salário família, auxílio-creche e seguro de acidente de trabalho.
Muito se tem discutido acerca das repercussões práticas da nova legislação.
Primeiramente, ressalto que embora parte da doutrina posicione-se no sentido de que o art. 7º, a, da CLT continua vigente por falta de revogação expressa, entendo que não houve a recepção de tal norma. Isso porque ao prever que não se aplicam aos domésticos os preceitos da CLT, a norma citada viola sobremaneira a finalidade precípua da Emenda Constitucional, que foi a de equiparar a condição jurídica dos domésticos e urbanos. Tendo esses trabalhadores suas relações regidas pela CLT, não há como afastar sua incidência à relação doméstica.
Por se tratar de garantia fundamental social, aos direitos laborais contidos na Constituição impõe-se a aplicabilidade imediata, tal qual prevista no § 2º, do art. 5º da CF/88. Assim, a nova legislação deve reger os contratos de trabalho tão logo publicada, inclusive os pactos em curso, e no que diz respeito aos direitos que prescindem de regulamentação (ressalvam-se os direitos adquiridos, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada - art. 5º, XXXV e 6º, LIDB). Esses dependem de condições a serem estabelecidas legalmente com o propósito de simplificar o cumprimento das obrigações (redação da Emenda).
Assim, o controle da jornada diária e semanal, a limitação de 2 horas extras por dia e os intervalos intra e interjornada, passaram a integrar o cotidiano contratual das partes, empregador e empregado doméstico, a partir de 03/04/13. Há perguntas que ainda não foram respondidas como a possibilidade de redução do intervalo intrajornada, de pactuação da jornada de 12x36 sem a interferência sindical, se restam aplicáveis os regimes de prontidão e sobreaviso para trabalhadores que pernoitam na residência.
No que toca às alterações salariais, tem-se que continuam não permitidas por afrontarem os princípios que regem o direito do trabalho, especialmente o da proteção, consubstanciado, no caso, na inalterabilidade contratual lesiva. A irredutibilidade salarial é um valor que protege o mínimo existencial do trabalhador, não podendo sofrer renúncia. Desse modo, se o empregador não efetuava descontos a título de vale-transporte ou INSS, não pode passar a fazê-lo, sob pena de redução salarial ilícita.
O TST já tem sinalizado, apesar do pouco tempo de vigência da norma, que as relações domésticas vão merecer tratamento diferenciado justificadamente. Essas relações, por serem mais intímas e sem finalidade lucrativa, dispensam maior flexibilização no que se refere aos ritos formais do pacto. O diálogo, o respeito e a boa-fé devem preponderar como deveres de conduta a permitir a adequação dos direitos, sempre garantidos os valores mínimos implementados. Nesse sentido, o Ministro Godinho julgou válida jornada de 12x36 para cuidadores de idosos, sem a respectiva permissão coletiva, atendida a assistência e seguridade social prestada pela família.
Estima-se, entre os operadores do direito e membros da sociedade, que o aumento das despesas para os empregadores domésticos pode estimular a extinção dos contratos, causando desemprego em massa. Afirmam que tal atividade não possui objetivo lucrativo para as famílias, não podendo estas arcar com os custos mais elevados do pacto laboral.
Contudo, entendo que as repercussões da Emenda são positivas e visam à realização de um ideal maior, o de concretizar a plena igualdade material de direitos aos trabalhadores domésticos, sem distinções ou preconceitos injustamente desqualificantes. Atende aos princípios do Estado Democrático, que prega a formação de uma sociedade solidária e justa, cujo núcleo é o ser humano e sua dignidade (art.1º, III e 3º, CF/88). Além disso, flexibilizações adequadas e razoáveis podem ser feitas para atender a simplicidade dos trâmites e as peculiaridades da relação de emprego doméstica, garantindo-se os direitos mínimos estabelecidos aos empregados e preservando-se os interesses dos empregadores.
[Autora do artigo: Haline Ottoni Costa Monge]
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Grato pela contribuição. Flávio